Conselhos de saúde: sua organização e funcionamento
19/mai/2025Por Lenir Santos
NOTA TÉCNICA n.43/2025
REQUERENTE: Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMSSP).
Assunto: Conselhos de saúde: sua organização e funcionamento
O Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosemssp) consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa) a respeito da necessidade de revisão das leis municipais que criam os conselhos de saúde, em razão de novas normativas federais aplicáveis aos conselhos.
O conselho de saúde no âmbito do SUS se organiza em acordo aos regramentos da Lei n° 8.142, de 1990 e aos ditames da Lei Complementar n° 141, de 2012, havendo resoluções do Conselho Nacional de Saúde que recomendam uma padronização nessa organização, em acordo a alguns aspectos. Recomendação do Conselho Nacional de Saúde não tem observância obrigatória pelos demais entes federativos, sendo tão somente recomendação. Nem mesmo os decretos federais sobre os Conselho Nacional de Saúde são aplicáveis de modo obrigatório aos demais conselhos de saúde.
O conselho de saúde é definido como um órgão colegiado do Poder Executivo, de caráter permanente e deliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviços de saúde, profissionais de saúde e usuários, que atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões de cunho regulatório no âmbito de sua competência devem ser homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo. Essa é a redação do art. 1°, § 2°, da Lei n° 8.142, de 1990.
A participação social está também prevista no parágrafo único do art. 193 da Constituição que dispõe que o “Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas”, além da previsão específica no SUS, inciso III do art. 198 da Constituição, que determina como uma de suas diretrizes organizativas, a participação social.
Assim, todos os entes federativos devem contar, obrigatoriamente, no âmbito do SUS, com um conselho de saúde que deve ser instituído por lei, obrigatoriamente. Em 2012, foi editada a Lei Complementar n° 141, cumprindo determinação constitucional do art. 198, § 3° da Constituição, a qual definiu competências específicas aos conselhos de saúde. Essas novas competências podem ser resumidas em:
(i) aprovar previamente gasto com saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, quando assim decidir o município;
(ii) emitir parecer conclusivo sobre o relatório de gestão, até o dia 30 de março do ano seguinte ao da execução financeira, e ainda sobre o cumprimento ou não das normas estatuídas na Lei Complementar 141; e
(iii) aprovar o plano de saúde e a sua programação anual, antes da data de encaminhamento da lei de diretrizes orçamentárias do exercício correspondente, à qual será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público.
Essas são, de modo geral, as competências dos conselhos de saúde das três esferas de governo, podendo haver outras definidas pela lei que o criar, sem, contudo, extrapolar a sua missão de atuação estratégica na garantia do direito à saúde no âmbito do SUS e de controle e fiscalização da execução das políticas de saúde. Não se pode conferir ao conselho da saúde competências privativas de autoridades públicas sanitárias, como as dos secretários de saúde e de outros servidores públicos da saúde, como as autoridades das vigilâncias.
No tocante à sua forma organizativa, objeto da indagação do Cosemssp, não há legislação nova que imponha ao conselho novas atribuições ou forma de organização e funcionamento.
Na consulta o Cosemssp indaga quanto (i) a homologação pelos secretários de saúde das resoluções do conselho; (ii) a falta de quórum pela constante ausência de conselheiros; (iii) regras de mandato dos conselheiros; (iv) eleição do presidente; (v) paridade entre segmentos que compõem o conselho; (vi) competência do Pleno do conselho; (vii) competência da secretaria executiva, mesa diretora, comissões temáticas; (viii) participação do legislativo e judiciários como membros do conselho; (ix) obrigatoriedade de os conselhos municipais observarem os regramentos do Conselho Nacional de Saúde; (x) possibilidade de haver um modelo de lei.
Respondendo as questões do Cosemssp:
(i) Nos termos da Lei n. 8.142, de 1990, compete ao Chefe do Poder Executivo homologar as resoluções dos conselhos de saúde (art. 1°, § 2°). A competência não é do Secretário de Saúde, mas sim do Chefe do Poder Executivo. Tal competência pode, pela lei de criação do conselho de saúde ser delegada por decreto Prefeito ao secretário de saúde.
(ii) A própria lei, ou o decreto que a regulamentar pode regular que as faltas de conselheiros por mais de duas ou três vezes, justificadas ou não, ensejam a perda do mandato. Assim, havendo reiterada faltas, o conselheiro perderá o mandato, devendo ser substituído pela sua entidade, obrigatoriamente. Caso a entidade não o substituir na data aprazada, ela perderá o mandato. Isto precisa estar normatizado.
(iii) Regras de mandato de conselheiro: a própria lei deve dispor sobre o tempo de mandato, geralmente de dois a três anos, exemplificativamente, com permissão de mais uma recondução, caso a lei ou o decreto assim disponha. Caso a lei não tenha disposto, pode um decreto do executivo, rezar sobre esses regramentos. Não precisa alterar a lei, exceto se ela dispôs sobre o mandato e há interesse na sua mudança.
(iv) Geralmente as leis dispõem sobre eleição do presidente. Caso a lei não vete a eleição do secretário para a presidência do conselho, como ele é membro do conselho, poderá se candidatar a presidente. Há necessidade de a lei vetar, ou caso a lei seja omissa, poderá o decreto regulamentador fazê-lo, não o regimento interno. Lembramos que o decreto federal que dispõe sobre regramentos do Conselho Nacional de Saúde não é impositivo aos demais conselhos de saúde que podem fixar as suas regras, desde que cumpram a Lei n. 8.142, de 1990, que não traz tal vedação. Por isso é preciso dispor sobre ela.
(v) Paridade entre os segmentos: a Lei n. 8.142, de 1990, reza em seu art. 1°, § 2° que os conselhos de saúde são compostos por representantes dos governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários e que a representação dos usuários deve ser paritária em relação aos demais segmentos. Assim, a lei determina que deve haver paridade entre os segmentos dos prestadores de serviços, profissionais de saúde e governo em relação aos usuários. Isso significa que 50% devem ser compostos por usuários e os outros 50% devem ser dos demais segmentos, não podendo, obviamente, um membro de um dos outros três segmentos ocupar a vaga de usuário. Ainda que todas as pessoas no país possam ser usuárias, a lei definiu claramente a composição do conselho. Por outro lado, a lei não determina paridade entre os outros três segmentos, mas as leis municipais podem assim dispor e, caso não tenham regrado essa paridade, poderia um decreto regulamentador da lei, fazê-lo.
(vi) A competência da plenária do conselho deve estar em acordo às competências do conselho previstas em lei. As decisões referentes a essas competências devem ser tomadas pela plenária do conselho por maioria de votos ou outra forma que a lei determinar. Caso a lei não tenha determinado quórum de deliberação, as decisões devem ser por maioria simples, ou o decreto regulamentador poderá estabelecer quórum qualificado para matérias mais relevantes.
(vii) Competências da secretaria executiva, mesa diretora, comissões temáticas podem estar na lei, mas geralmente é matéria de decreto regulamentador pela facilidade de mudança que o tempo exige, especialmente a secretaria executiva, a mesa diretoria e as comissões temáticas. Um exemplo é a saúde digital que pode exigir comissão temática e se estiver na lei ficará mais difícil haver mudança. Alias esses temas são próprios do regimento interno, assim como outros aqui abordados que não devem estar em lei nem em decreto.
(viii) Participação do legislativo e judiciários como membros do conselho: membros de outros poderes da República não podem participar de conselhos próprios do Executivo, assim como o executivo não pode participar de conselhos de outros poderes, como exemplo o Conselho Nacional de Justiça, por ferir a independência dos poderes. Tal medida seria inconstitucional.
(ix) Obrigatoriedade de os conselhos municipais observarem os regramentos do Conselho Nacional de Saúde: o Conselho Nacional de Saúde, assim como o Conselho Estadual da Saúde, não têm competência para estabelecer regras de organização e funcionamento dos conselhos municipais de saúde. Os conselhos devem se organizar em acordo às determinações da Lei n. 8.142, de 1990 e da Lei Complementar n. 141, de 2012. O Conselho Nacional de Saúde pode, tão somente, recomendar. E recomendação não é determinação, não podendo obrigar os demais conselhos.
(x) Possibilidade de haver modelo de lei para padronizar a organização e funcionamento dos conselhos: tal imposição não encontra respaldo na Constituição. Não pode haver modelo de lei. Há sim nas leis regentes, disposições que são obrigatórias, que devem ser observadas na organização dos conselhos, conforme a sua composição mencionada acima (Lei n. 8.142, de 1990).
Por conclusivo, o conselho de saúde deve organizar-se em acordo as leis federais de âmbito nacional, que dispõem sobre normas gerais, diretrizes sobre o tema, cabendo ao Legislativo de cada ente federativo, legislar sobre a organização e funcionamento dos conselhos em acordo as realidades municipais e o interesse local, sempre de modo geral, deixando para o decreto a sua regulamentação e para o regimento interno as minucias de seu funcionamento interno cotidiano.
Campinas, 19 de maio de 2025.
Lenir Santos
Advogada sanitarista
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